A insustentável incerteza do ser

Estar em quarentena por tantos dias tem me afetado de maneiras diversas. Mesmo que eu costume me descrever como uma pessoa caseira, o isolamento social não deixa de ser uma experiência menos aversiva por isso. Toda essa tensão e ansiedade que pairam em torno da pandemia me deixa psiquicamente exausto. Sofro por conta das pessoas afetadas, do risco de aniquilação, da preocupação com as pessoas que amo, da rotina perdida e da nova rotina de cuidados arbitrariamente necessária. E por causa disso minha ansiedade vai às alturas, os sintomas do TOC se acentuam, a insônia piora e ganho peso.

Tudo se tornou tão incerto. Se eu não me policiar posso ficar horas imerso em notícias sobre como a pandemia tem feito vítimas pelo mundo e como os casos de COVID-19 tem crescido de modo alarmante no Brasil. E o mais frustrante é que pouco consigo fazer a respeito disso. Até mesmo em se tratando de minha família não tem sido fácil me fazer ouvido. Às vezes me pergunto se não estou sendo muito dramático ou paranoico com meus pedidos de “Se cuide” e “Não saia de casa”. É obvio que não. As evidências científicas estão escancaradas para quem quiser (e tem acesso).

Procuro lidar com a pandemia e as situações que dela derivam com atitudes calmas e racionais, mas a verdade é que, assim como a maioria de nós, tenho estado bastante reflexivo e emotivo. O novo coronavírus trouxe com ele muitas desconstruções e abalou outras tantas instituições, destacando e colocando em xeque visões de mundo que não estão de acordo com a defesa da vida plural e singular. Sempre foi importante debater e combater as mazelas, injustiças e desigualdades sociais, mas foi preciso o surgimento de um vírus mortal que causasse uma pandemia de escala global para que nos atentássemos, enquanto sociedade, para esses problemas sócio-histórico-política e culturalmente construídos.

A presidência do Brasil nesse período tão crítico é outro problema que se soma à pandemia para gerar um monstro de tamanho descomunal. Bolsonaro me causa muito sofrimento. Chegou a um ponto em que não consigo ouvir ou ler esse nome sem sentir algum tipo de desesperança devoradora. Seria tão maravilhoso se tivéssemos na liderança do país uma pessoa que lutasse em defesa de uma vida mais plena (e aqui entra uma vida com mais saúde), rica de experiências felizes e de possibilidades para todas e todos, sem exceção. Mas o que temos é o Bolsonaro, tornando pior o que está ruim.

O que nos resta é fazer nossa parte, cuidar das pessoas que amamos, ficar em casa o máximo que pudermos, respeitar a vida do vizinho, não compartilhar fake news e cuidar de nossa saúde (incluindo a saúde mental). Como estamos cansados de saber, o mundo, ao menos o que conhecemos como “mundo dos humanos”, mudou e jamais voltará a ser o que era antes. Transformou-se. E penso que não devemos esperar para ver se as mudanças serão em sua maioria agradáveis ou não. Podemos, se assim desejarmos, problematizar essa realidade (a velha, a nova) a fim de tirarmos algo dela, algo que nos impulsione para a construção de um mundo mais equitativo, onde as pessoas se respeitem e respeitem o planeta.

Eis um momento para nos desterritorializar.